Primeiro ou décimo oitavo?
A afirmação surgiu no início de uma notícia sobre a seca que ameaça agravar-se em Portugal. Para compor a introdução a jornalista disse que o mês de fevereiro de 2019 tinha sido o mais quente desde 1931. Já tinha ouvido isto antes e, na altura, fui verificar. Parecia-me que, apesar de alguns dias mais primaveris, fevereiro não tinha sido assim tão quente. Fui ao site do IPMA e constatei que minha perceção leiga não estava errada. Os dados factuais são estes:
- O valor médio da temperatura média do ar, 10.62 °C, foi superior ao valor normal, +0.64 °C. Valores da temperatura média superiores aos agora registados ocorreram em cerca de 20% dos anos, desde 1931.
- O valor médio da temperatura máxima do ar, 16.79 °C, foi o valor mais alto desde 1931, com uma anomalia de +2.41 °C.
- O valor médio da temperatura mínima do ar, 4.46 °C foi inferior ao normal, -1.12 °C. Valores da temperatura mínima inferiores aos agora registados ocorreram em cerca de 35% dos anos, desde 1931.
Ou seja, fazendo as contas, o mês de fevereiro de 2019 foi o 18º mais quente desde 1931 e não o mais quente. Diferença considerável, sobretudo se tivermos em conta que estamos a falar de jornalismo e não de uma conversa de café. O valor mais alto desde 1931 foi o da média da temperatura máxima. Se usássemos esse valor como referência cairíamos no absurdo de ter o mês mais quente e, ao mesmo tempo, ter um dos meses mais frios, porque a média da temperatura mínima foi inferior à registada em cerca de dois terços dos fevereiros desde 1931.
Temos aqui um bom exemplo da forma como o jornalismo trata alguns assuntos que andam no topo da agenda mediática. Parece-me claro que uma das razões tem a ver com os próprios jornalistas. Alguma iliteracia e alguma falta de tempo para reflexão ajudam a debitar de forma acrítica afirmações contorcidas como a da notícia. Está lá “temperatura máxima” e está lá ”valor mais alto desde 1931” então não se pensa duas vezes antes da afirmação definitiva. Mas para além da iliteracia e da falta de tempo há também uma espécie de voluntarismo pró-causa que não tem problema nenhum em passar a verdade para segundo plano. É para “salvar o planeta”? É para “tornar o mundo habitável para as próximas gerações”? Tudo o que ajude a causa, mesmo que seja o mau profissionalismo, é legítimo e bem-vindo.
Em resumo: cuidado. Notícias sobre o clima tem que ser bem escrutinadas. O primeiro pode ser, afinal, o décimo oitavo.