Mais um treino - II
Meio da semana, noite, frio, ameaça de chuva, cansaço, alguma fome, o aconchego de casa a pedir para ficar. A cabeça, partidária do programa "descanso + barriga cheia + conforto" argumenta sem cessar
"Fazes amanhã"
"Tem juízo, já tens idade para isso"
"Com todo esse esforço ainda vais arranjar uma lesão"
"Plano de treinos para quê?! A fase do entusiasmo já passou"
"Estás a ficar velho, quando é que te convences disso?"
"Um treino a menos não faz diferença"
A vontade (que provavelmente está na cabeça mas, se estiver, está numa espécie de encalave) contra-argumenta como pode
"Está marcado, cumpres o treino e quando acabar falamos"
"Respeita-te, respeitando o teu esforço anterior"
"Sim, agora custa, mas lembra-te que depois da corrida feita e do banho tomado vais sentir-te muito bem"
A luta dura uns minutos. A minha vulnerabilidade é grande. Se a Anabela e as filhas acrescentarem mais um ou dois argumentos pró-casa é muito provável que a balança penda para esse lado. Mas não intevêm. Uns minutos de luta e chega o
"Tem de ser!"
Começo a despir-me, visto equipamento, calço as sapatilhas, cronómetro no pulso e digo, ao sair de casa, qualquer coisa coisa do género
"O maluco vai correr"
Como é penoso sair para a noite fria! O primeiros metros a custo e cheios de recriminações, mas depois...
Chego a casa. A família na sala, de volta da televisão e dos smartphones. Perante a indiferença geral (talvez a Margarida pergunte se correu bem) digo
"Uma salva de palmas, se fazem favor"
Se alguém responder favoravelmente à solicitação recebo o cumprimento com legítimo orgulho. E vou alongar.