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Small Church

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O Touro que Não Sabia Morrer

É a curta história de um touro que nem sabia como ou porque tinha ido ali parar. Da primeira vez lançou-se furiosamente numa correria desalmada. Os peões tiveram de correr à sua frente o que puderam. Mas depois de muito tempo a dar muita luta, fintando os olhos de cores parcas, chegou o cansaço. E acabou por levar a primeira farpa. Sangrou um pouco, o que o deixou moído. Em vez de tentar fugir, obrigou-se outra vez para o meio. Ainda não tinha lá chegado quando já lhe cravavam uma farpa ainda maior.

Não fugindo, foi então que veio o cavalo. O sangue já escorria quando lhe espetaram a bandarilha. Mais sofrimento. Mas o bicho não desistia. Depois a pega de caras com forcados aos gritos desorientadores. Também não correu bem. Apanharam-no apertado, de língua de fora e sem energia. Mas o animal, já arrastando os joelhos, não desistia.

Foi assim que o matador se aproximou. As bancadas vazias estavam cheias de silêncio. Apenas nevoeiro. Foi só aí, e não antes, desse momento em que o seu arfar se camuflava com o frio nocturno, em que já não podia mais mexer as pernas doridas, que lhe pareceu, pela primeira vez, que era hora de cair e não levantar. Leão - sim, Leão, era esse o seu nome - morreu, sentindo o seu coração atravessado pela espada.

Não houve heroísmo nem hino. Nem louvor ou prémio. Apenas um pouco de coragem. Uma ínfima e cruel coragem, que o cegou até à morte.

Sinais

2020 foi o ano com mais mortalidade em Portugal desde há um século. 2021 não trouxe melhorias, pelo contrário, começou pior e janeiro prepara-se para ser ainda mais mortífero. É neste contexto que o Parlamento aprovou hoje a legalização da morte a pedido. Seremos o quarto país da Europa e o sétimo do mundo a avançar com a despenalização da eutanásia. No que respeita ao covid estamos ainda mais acima. No preciso dia em que os deputados autorizam a eutanásia somos o país do globo com mais mortos por milhão de habitantes.  

Sinais. Sinais coincidentes - não confundir com coincidências.

Sobre os profetas

No tomo sobre o Próximo Oriente de uma História Universal* encontro este texto sobre os profetas de Israel. Apesar de estar familiarizado com eles desde sempre, esta abordagem não religiosa, feita de fora para dentro, digamos assim, tem o seu quê de estimulante. Uma perspetiva diferente sobre a legado desses homens inconformados, que me parece fazer sentido.

 

“Os profetas ergueram a ideia israelita de Deus ao seu ponto mais alto. Eles não eram adivinhos tal como os que existiam há muito no Próximo Oriente (embora os primeiros dois grandes profetas, Samuel e Elias, possam ter sido formados nessa tradição), mas sim pregadores, poetas, políticos, críticos da moral da época, e o seu estatuto dependia, no essencial, da capacidade de se convencerem a si próprios e aos outros de que Deus falava através deles, embora poucos o conseguissem (…).

Os profetas fizeram evoluir o culto a Jeová no sentido da adoração de um Deus universal, justo e piedoso, rígido a castigar o pecado, mas pronto a acolher o pecador arrependido, aqui residindo o clímax da cultura religiosa do Próximo Oriente, um marco a partir do qual a religião se libertava do local e da tribo. O profetas também atacaram ferozmente a injustiça social – Amós, Isaías e Jeremias denunciavam junto do povo os privilégios da casta dos sacerdotes – e ao fazê-lo anunciavam que todos os homens eram iguais perante Deus, que os reis não podiam fazer tudo o que lhes apetecia, ou seja, proclamavam um código moral como dado adquirido, independente da autoridade humana. Dessa maneira, ao pregarem a adesão a uma lei moral que Israel acreditava ter origem divina, estabeleceram a base para a crítica do poder político existente. Uma vez que a lei não era obra do homem, tornava-se óbvio que não emanava desse poder e que os profetas podiam, assim, apelar para ela, bem como para a sua própria inspiração divina, contra o rei e os sacerdotes. Não é exagerado afirmar que, se o cerne do liberalismo político é a convicção de que o poder deve ser exercido dentro dos limites morais independentes dele próprio, então as raízes desse liberalismo mergulham nos ensinamentos dos profetas.”

 História Ilustrada do Mundo, de John M. Roberts

Olhar o ranking

Ontem não foi só o dia em que se (re)elegeu o Presidente da República. Foi também o dia em que Portugal ultrapassou o Brasil em número de mortes por covid-19. Muito em breve, provavelmente amanhã, será a vez da Suécia também ser suplantada por nós neste indesejado ranking.

Refiro o Brasil porque ele é, se levarmos em conta o veiculado pela comunicação social, o país do mundo mais atingido pelo vírus, logo após os Estados Unidos da América. É a perceção que fica da permanente chamada ao écran, e às páginas escritas, do caso brasileiro, com imagens de protestos contra Bolsonaro, filas de espera para botijas de oxigénio e caixões amontados, e do realce para os números de infetados e mortos, sempre na casa dos milhares. Na verdade, o Brasil é o 23º do mundo em número de mortes (por milhão de habitantes – só assim podemos comparar a situação relativa a cada país). Que antes dele estejam 17 países europeus parece não interessar a quem emite as notícias. O foco tem sido os Estados Unidos (9º no número de mortos), o Brasil, e, às vezes, o Reino Unido (3º). Pois bem, esta ultrapassagem de Portugal vem, em primeiro lugar, chamar a atenção para a distorção informativa que é sistematicamente produzida. Não há dúvidas que uma das vítimas da covid-19 é a comunicação social. A forma como manipula a informação (deixa-se manipular?) põe em causa a sua própria razão de ser – informar. Deixou de ser confiável, sobretudo em alguns assuntos, como a pandemia, que trazem associados disputas ideológicas. Por outro lado, este insucesso português levanta uma questão que, mais tarde ou mais cedo, terá de ser equacionada. Como é que Portugal, com meses de estado de sítio e meses de confinamento compulsivo (parte dele à “la carte”, é certo), restrições de circulação e de reunião, e uso obrigatório de máscara, consegue estar pior do que um país com medidas muito menos restritivas?  E, em linha com esta questão, e puxando a referência, feita acima, à Suécia, outra pergunta: como justificar os custos sociais, económicos, emocionais e educacionais (dois anos letivos semi-perdidos) feitos em nome das vidas que se iam salvar e, afinal, tudo indica que vamos acabar pior que um país que não teve de suportar um décimo desses custos?

Certamente que as repostas não serão lineares. Mas que, pelo menos, haja isenção q.b. na informação que nos chega para que se possa aprender alguma coisa para o futuro.

Taça da Justiça

Não vi o jogo. Fui vendo televisão e fazendo F5 no computador para ver como íam as coisas. Quanto aos jogadores do Braga, a minha vénia. "Guerreiros" é uma alcunha que lhes assenta bem e claramente podem ir descansados para casa com o seu profissionalismo e atitude. É mesmo difícil ganhar-lhes. Já as jornalistico-paspalhices de ocasião depois do jogo, começam a meter um bocado de dó, sempre com a mesma conversa de chacha.

 

"Depois das duas oportunidades, o SC Braga estava por cima da partida e começava a encostar o Sporting ao seu meio-campo. Ia valendo à turma de Alvalade a sua defesa e alguma sorte para não sofrer o golo de um SC Braga que se mostrava claramente superior na partida, justificando outro resultado à entrada dos últimos 10 minutos. (...) Apesar do claro ascendente bracarense, o resultado não mexeu com o Sporting a segurar a curta vantagem e a levar de vencido um SC Braga que justificava outro resultado face ao que mostrou em Leiria.

 

"alguma sorte para não sofrer o golo", como? Mas o Adán veio de um casino? A defesa do SCP esteve aos papéis 90 minutos? Não. Como diria o saudoso Moniz Pereira, "ter sorte dá um trabalhão".

"claramente superior", como? Em quê? Número de golos obtidos (aquela cena cujo número determina quem ganha o jogo)? Fora de jogo não vale, ok? Não. Não marcaram a porcaria de um santo golinho.

" justificando outro resultado", como? Que resultado? 1-1? 1-3? Marcaram um golinho para justificar, foi? Não. Não marcaram um golinho. Então porque justificavam outro resultado?

"justificava outro resultado face ao que mostrou". Outra vez o mesmo argumento da justiça... Ora pôrra! Se esta época o Braga não consegue marcar um golo ao Sporting em 180 minutos alguém me convence que o resultado não é justo?

Jornal de campanha

O candidato que calha ser o Presidente da República em funções visita um lar de idosos em pleno confinamento e no momento mais crítico, até à data, da pandemia. Fez um teste ao vírus, mas não sabe o resultado. Ainda assim, entra no lar - o mesmo não podem fazer há vários meses os familiares dos idosos. À saída confirma que desconhece o resultado do teste, mas que não há problema porque o anterior deu negativo [então porquê repetir o teste?, acode a elementar razão]. Paternal, aproveita a ocasião para deixar um apelo aos portugueses: levem o confinamento a sério. Os jornalistas gravam, tomam notas, fazem duas ou três perguntas de bolso, e todos seguem em comitiva para a próxima ação de campanha.

CMYK vs RGB

E ao fim de quase duas décadas, com o CMYK a ir de quase tudo a quase nada, eis que finalmente o RGB toma conta de mim. Não sei se é melhor ou pior. Mas é certo que toda a gente, de um modo ou outro, tem vindo a fazer o mesmo percurso. Mesmo sem quererem saber o que isso quer dizer.

Somos uns carneiros.

Viagem à Argentina

Faz hoje exatamente um ano que eu, o Miguel e o Zé tocámos solo argentino. Seguir-se-iam cinco dias intensos, tão intensos que, passado um ano, ainda os estou a processar e a arrumar na memória. Uma grande viagem, sem dúvida. (As grandes viagens podem ser curtas em duração, agora sei por experiência própria). 

Um pormenor, um pormenor apenas, desse dia 15 de janeiro do ano passado. Estávamos no Aeroparque, aguardando o voo interno para Posadas, quando oiço a chamada dos passageiros para Ushuaia. Ushuaia?... Ushuaia! Terra do Fogo, Estreito de Magalhães, Patagónia! A fila em direção ao balcão de embarque, com o avião visível para lá dos vidros, avançava para a capital do grande sul inóspito, local da ação nas páginas de Slocum, Coloane, Shackleton, Sepúlveda e Chatwin. Talvez umas três horas e estariam lá! Apeteceu-me ir também: pôr-me na fila, entrar no avião e alcançar o sul. Mas não podia. Não tinha bilhete, nem tempo. Fiquei-me pela proximidade - uma porta de embarque e poucas horas de voo. E não fiquei mal. Chegar mais perto também é viajar.

Anatomia da censura

Na sequência da invasão do Capitólio, Donald Trump é banido do Twitter e de outras redes sociais. O que antes tinha acontecido pontualmente, torna-se definitivo para Trump e apoiantes (incluindo cartunistas – a censura sempre teve uma relação difícil com o humor).

Em protesto, apoiantes de Trump (e, imagino, não apoiantes que não gostam de censura) deixam o Twitter. Muitos reúnem-se noutra rede social chamada Parler. A rede tem um crescimento exponencial, a ponto de se tornar a app mais descarregada nas principais app stores.

Perante o crescimento da Parler, as gigantes Apple, Google e Amazon retiram-na das suas plataformas, alegando que a rede social não tomou as medidas de segurança adequadas de forma a garantir que o “conteúdo obsceno – incluindo posts que incitem à violência” seja banido. Segundo a Parler, estas medidas implicam a adesão a critérios de análise e decisão iguais aos das gigantes do online.  

Enquanto não encontra outra plataforma para funcionar, a Parler enfrenta a mais que provável suspensão. A responsável da empresa defende-se com a liberdade. “Num país livre, pessoas inocentes, acerca de quem não há nenhuma suspeita em particular, não devem estar sujeitas a uma vigilância permanente, 24 horas por dia, 7 dias por semana, isso não é consistente com a Quarta Emenda”. E coloca a questão: “Queremos que tudo aquilo que é postado online seja verificado em busca de 'conteúdo questionável', como eles lhe chamam, 24 horas por dia, 7 dias por semana, e seja automaticamente removido se for sinalizado por um algoritmo?”

A notícia pode ser lida aqui.

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