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Small Church

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Vergonha (falta de)

Relações familiares no governo de António Costa envolvem cinquenta pessoas e vinte famílias (e um ex-casal).

Não tem a ver com o partido. Lembro-me de há uns vinte e tal anos António Vitorino ter apresentado a demissão do Governo de que fazia parte por causa de irregularidades com o pagamento de um imposto, penso que a sisa. Custou-lhe na altura o fim da ascensão política, que prometia muito, mas a exigência ética impôs essa saída. Hoje situação semelhante seria facilmente resolvida com um assobiar para lado, “um fait-divers quando o país tem assuntos tão importantes para resolver”, ou, se o caso não fosse abafado às primeiras, um contrito reconhecimento da “distracção que aconteceu mas será rapidamente corrigida”. E a coisa passaria. E não aconteceria nada. Não, não tem a ver com o partido. Tem a ver com a falta de vergonha desta geração que dirige o PS. A geração de José Sócrates, lembre-se. A geração de Carlos César. Faz-se o que se quer. À descarada. Sem preocupações com as minudências éticas que só atrapalham. A mesma falta de vergonha que infecta a comunicação social estabelecida que só agora, quando o escândalo já não pode ser abafado, sobretudo porque saltou para os jornais estrangeiros, vem anunciar como novidade o que era facilmente verificável há muito tempo. Sim, não tem nada a ver com política ou partidos. É simplesmente total falta de vergonha.

Goalball

https://www.record.pt/modalidades/detalhe/goalball-leoes-embalados-rumo-ao-titulo

Num tempo em que tanto se fala de reinserção e inclusão, o fim de semana desportivo não se devia ter ficado pelos desaires do futebol nacional. Com o fantástico multidesportivo de Odivelas quase às moscas, ao contrário do estádio da "selecção" cheio de papalvos desiludidos, o Sporting CP foi Campeão Europeu de goalball em femininos, e bi-Campeão Europeu da mesma modalidade em masculinos. Um pleno.

Basicamente, é um desporto para cegos ou, na melhor das hipóteses, para amblíopes vendados. Mas se pensa ser coisa para meninos, desiluda-se. O campo é do mesmo tamanho de um de volei, tem balizas de 6 metros de largura, e 3 guarda-redes de cada lado. A bola é maior que uma de basket, faz barulho (é no tacto e audição que tudo se joga), pesando cerca de quilo e meio e, fazê-la percorrer todo o campo a uma velocidade que bata o gigantismo dos jogadores adversários não é tarefa para xonés. Depois de tanto esforço, foi emocionante ver a forma como todos, vencedores e vencidos, portugueses e checos, se cumprimentaram depois do jogo da final.

Liderados por Márcia Ferreira, uma treinadora-mulher-de-armas, e longe do reconhecimento e holofotes que merece, Portugal, e especificamente o Sporting, dão cartas nesta coisa de fazer heróis sem marketing, daqueles mesmo verdadeiros, sem penteados esquisitos.

O riso alheio tem dois gumes

São, pelo menos, 15 anos mais novas do que eu. Durante a pausa da tarde estivemos a falar sobre youtubers. Quando nos separamos, oiço-os rir na escada como quem esteve a conter as gargalhadas durante o tempo que estiveram comigo. Fico a pensar que é de mim que se riem e sinto um desconforto agudo. Na verdade, não sei se é de mim que se riem, mas, como só oiço e não os vejo, faço a ligação óbvia. Imagino-me de imediato como o colega mais velho que não tem noção da idade que já tem e que os mais novos, por uma réstia de respeito, gozam às escondidas.


Sinto um tipo profundo de vergonha infantil e digo a mim mesmo que daí para a frente me vou calar de vez quando calhar estar com eles. Mas, enfim, pode ser ou pode não ser. O riso pode ter sido o resultado de um tropeção, ou assim, e descontraio. E acabo por analisar com curiosidade esta minha reação antiga, este pânico de fazer ‘figura’ perante os outros. Porque é que deveria ser assim tão importante a forma como pessoas de que não dependo me vêm ou aquilo que acham de mim? Afinal, conforme vou ficando mais velho, a Reputação, essa velha máquina humana de hierarquia, vai fazendo cada menos sentido, principalmente para quem, como eu, já não tem paciência para se sentir chateado ou triste com o que quer que seja.


Sorrio ao pensar como pode o riso alheio ter dois gumes e como o olhar, o ver alguém a rir-se, acaba por ser determinante. 

Apreciador de Desporto

Portugal, outra vez, empatou na qualificação para o Euro 2020. Dois jogos em casa, dois empates. Mas o que estava eu a fazer?

Tudo começou por nem sequer saber que os ronaldettes iam jogar. O futebol cada vez me interessa menos. Cada vez sei menos nomes e conheço menos caras. Acendi a TV, vi o que era e fugi logo da bola. Fã de desporto, desporto a sério, tropecei noutra, uma mais pequena, de cortiça e alcatrão. Vi o Lodi-Sporting em hoquei-patins. O campeão de Portugal ganhou na casa do campeão de Itália por 3-5. Grande jogo, grandes equipas, muita velocidade, emoção, todos a dar o sangue e resultado em aberto até ao último segundo. Do jogo de segunda, o "importante", nem quero saber.

Primeiro ou décimo oitavo?

A afirmação surgiu no início de uma notícia sobre a seca que ameaça agravar-se em Portugal. Para compor a introdução a jornalista disse que o mês de fevereiro de 2019 tinha sido o mais quente desde 1931. Já tinha ouvido isto antes e, na altura, fui verificar. Parecia-me que, apesar de alguns dias mais primaveris, fevereiro não tinha sido assim tão quente. Fui ao site do IPMA e constatei que minha perceção leiga não estava errada. Os dados factuais são estes:

- O valor médio da temperatura média do ar, 10.62 °C, foi superior ao valor normal, +0.64 °C. Valores da temperatura média superiores aos agora registados ocorreram em cerca de 20% dos anos, desde 1931.

- O valor médio da temperatura máxima do ar, 16.79 °C, foi o valor mais alto desde 1931, com uma anomalia de +2.41 °C.

- O valor médio da temperatura mínima do ar, 4.46 °C foi inferior ao normal, -1.12 °C. Valores da temperatura mínima inferiores aos agora registados ocorreram em cerca de 35% dos anos, desde 1931.

Ou seja, fazendo as contas, o mês de fevereiro de 2019 foi o 18º mais quente desde 1931 e não o mais quente. Diferença considerável, sobretudo se tivermos em conta que estamos a falar de jornalismo e não de uma conversa de café. O valor mais alto desde 1931 foi o da média da temperatura máxima. Se usássemos esse valor como referência cairíamos no absurdo de ter o mês mais quente e, ao mesmo tempo, ter um dos meses mais frios, porque a média da temperatura mínima foi inferior à registada em cerca de dois terços dos fevereiros desde 1931.

Temos aqui um bom exemplo da forma como o jornalismo trata alguns assuntos que andam no topo da agenda mediática. Parece-me claro que uma das razões tem a ver com os próprios jornalistas. Alguma iliteracia e alguma falta de tempo para reflexão ajudam a debitar de forma acrítica afirmações contorcidas como a da notícia. Está lá “temperatura máxima” e está lá ”valor mais alto desde 1931” então não se pensa duas vezes antes da afirmação definitiva. Mas para além da iliteracia e da falta de tempo há também uma espécie de voluntarismo pró-causa que não tem problema nenhum em passar a verdade para segundo plano. É para “salvar o planeta”? É para “tornar o mundo habitável para as próximas gerações”? Tudo o que ajude a causa, mesmo que seja o mau profissionalismo, é legítimo e bem-vindo.

Em resumo: cuidado. Notícias sobre o clima tem que ser bem escrutinadas. O primeiro pode ser, afinal, o décimo oitavo.

Mais um treino - II

Meio da semana, noite, frio, ameaça de chuva, cansaço, alguma fome, o aconchego de casa a pedir para ficar. A cabeça, partidária do programa "descanso + barriga cheia + conforto" argumenta sem cessar

"Fazes amanhã"

"Tem juízo, já tens idade para isso"

"Com todo esse esforço ainda vais arranjar uma lesão"

"Plano de treinos para quê?! A fase do entusiasmo já passou"

"Estás a ficar velho, quando é que te convences disso?"

"Um treino a menos não faz diferença"

A vontade (que provavelmente está na cabeça mas, se estiver, está numa espécie de encalave) contra-argumenta como pode

"Está marcado, cumpres o treino e quando acabar falamos"

"Respeita-te, respeitando o teu esforço anterior"

"Sim, agora custa, mas lembra-te que depois da corrida feita e do banho tomado vais sentir-te muito bem"

A luta dura uns minutos. A minha vulnerabilidade é grande. Se a Anabela e as filhas acrescentarem mais um ou dois argumentos pró-casa é muito provável que a balança penda para esse lado. Mas não intevêm. Uns minutos de luta e chega o

"Tem de ser!"

Começo a despir-me, visto equipamento, calço as sapatilhas, cronómetro no pulso e digo, ao sair de casa, qualquer coisa coisa do género

"O maluco vai correr"

Como é penoso sair para a noite fria! O primeiros metros a custo e cheios de recriminações, mas depois...

Chego a casa. A família na sala, de volta da televisão e dos smartphones. Perante a indiferença geral (talvez a Margarida pergunte se correu bem) digo

"Uma salva de palmas, se fazem favor"

Se alguém responder favoravelmente à solicitação recebo o cumprimento com legítimo orgulho. E vou alongar.

A Morte do Novo Ateísmo?

To say that a stone falls to Earth because it is obeying a law makes it a man and even a citizen. -C. S. Lewis

 

 

Uma das revoluções que a web trouxe foi a perda de poder por parte dos que até aqui dominavam a informação, não só a jornalística mas também a científica. Há 20 anos atrás era fácil, por parte daqueles a que em inglês se chama gatekeepers, definir numa rádio ou num jornal, de um modo dogmático, uma vez que não existia possibilidade de contraditório, o que era a verdade. 

Rupert Sheldrake é um biólogo inglês que ousou, em 2013, fazer uma conferência Ted Talk baseada no seu livro The Science Delusion, em que expõe as suas razões para achar que a ciência contemporânea não é objetiva e em que tenta demonstrar que muitas disciplinas estão assentes em dogmas que não são replicáveis, logo não são científicos. O vídeo foi censurado pela TED Talks mas foi sendo mantido online. Hoje, segundo o próprio Dr. Sheldrake, já terá sido visto pelo menos 5 milhões de vezes. Um dos problemas maiores que o cientista inglês tem não é ser contracorrente em termos de academia, é ser cristão e achar que a ciência aponta naturalmente para Deus.

 

É espantoso como em 6 anos tanto mudou. Não foram só os políticos que perderam o controlo da verdade com a liberdade e pluralidade de informação. O fenómeno é transversal a todos os ramos da sociedade. Em termos religiosos, por exemplo, o Novo Ateísmo de Dawkins, um dos grandes críticos de Sheldrake, e de Dennet, foi perdendo a força quase hegemónica de quando era ouvido e replicado com entusiasmo pelos media antigos, digamos assim. . 

Não tenho forma de saber ou avaliar a razão em campos de conhecimento que não domino. Simpatizo com o Dr. Sheldrake porque tendo a ser do contra e porque prefiro achar que ele tem razão. Para quem quiser, segue em baixo uma entrevista longa e deliciosa publicada há nem um dia acerca da morte do Novo Ateísmo. Acho que vale a pena.

(Sempre quis experimentar um título clickbait. Já só falta plantar uma árvore)

Choo Choo

O pior dos condutores é o que mete as mãos no volante nas municipais a 51 à hora. Faz-nos perder tempo, faz-nos perder a paciência, e ainda fecha todos os semáforos.

Relatório de uma década a escrever ficção

Começou há dez anos. Por essa altura estava a escrever o Alçapão, ainda sem nenhuma noção de que o livro poderia vir a ser editado. Seguiram-se o Terra Fresca, publicado em 2016, e agora o Plano de Voo, que, até ver, ninguém mostrou ainda interesse em publicar. Tem sido um caminho que me tem levado a refletir acerca das razões para escrever ficção. Afinal, não pareço ser assim tão bom. Afinal, a coisa toma muito tempo. Afinal, é preciso um nível de obsessão que não devo arriscar de ânimo leve.

Como a todos os lugares desconhecidos a que se chega, passei por uma aprendizagem acerca do mercado e do funcionamento editorial que demonstrou muitas vezes que as minhas ideias iniciais não correspondiam ao modo como, de facto, as coisas são. Passando fases de desânimo e de extremo otimismo, quer por razões de temperamento, quer por de vendas baixas, cheguei aonde estou agora. A expectativa de um autor acerca da sua obra é sempre desmesurada.

Tendo em conta a extrema falta de entusiasmo que o Plano de Voo tem causado, tenho pensado muito, ultimamente, se não deveria parar de achar que vale a pena escrever. A reflexão tem sido dura, uma batalha comigo mesmo até um pouco deprimente, em que tive de pesar e questionar as minhas razões e a minha vontade. Parece-me, agora, que terei chegado a uma conclusão robusta (espero que seja, gostava que fosse).

Uma vocação, aprendi finalmente, é mais uma necessidade interior de alto calibre do que um modo de funcionar com os outros. Irei prosseguir, portanto. Por minha necessidade. 

Mais um treino - I

Oito e meia da manhã. Céu azul com algumas nuvens altas. O écran do carro informa que lá fora estão cinco graus. Saio. Ajusto o equipamento e ligo o cronómetro GPS. Ando umas centenas de metros, aqueço e começo a correr.

O dia está magnífico, congratulo-me, enquanto tomo o caminho das salinas. Passados cinco ou seis minutos entro em ritmo de cruzeiro. AFM, como lhe chamo, a sigla para Até ao Fim do Mundo. Aquele ritmo, nem lento nem rápido, em que engatamos e parece ser possível aguentar indefinidamente (não é possível, claro, mas por agora, e no resto do treino, impera essa sensação).  O AFM liberta a cabeça. Se o ritmo for rápido demais temos o cansaço a toldar o pensamento, se for lento é a preguiça, transformada numa espécie de impaciência, que desmobiliza a mente. Um antigo colega que também corria (mas ele corria a sério, baixou das três horas na maratona) dizia que no treino matinal, antes de ir para o emprego, ele organizava o dia. Entendo-o perfeitamente agora. Engatamos no AFM, a cabeça liberta-se, organizamos as ideias, a criatividade é oxigenada, e quando damos por nós o treino de cinquenta minutos já passou e temos a sensação que foi só um quarto de hora.

Chego às salinas. Entro no caminho de terra batida. Vou pelo sopé do monte, contorno o lago rasteiro e provisório que dentro de uma par de meses estará seco e ponteado de montes brancos de sal, e cumpro o circuito planeado. Volto a pensar que o dia está magnífico e sinto-me contente.

Regresso à cidade e, junto às piscinas, deixo de correr. Caminho até ao carro. O écran informa que a temperatura subiu aos sete graus.  Sigo para casa. Faltam apenas os alongamentos e o banho quente para que o começo do dia seja perfeito.

Carnaval Tuga

Se fosse o Sambódromo carioca, palmilhado de chiclets e milhões de pares de havaianas de chôpe e bermuda noite fora, a coisa piava fino. A gente sabia que havia ali bagulho bom e elaborado ao longo de muitos meses de fome, que tem que ver com temperaturas principescas e humidades transcendentes de um dia de glória, polvilhadas da graça longínqua da MPB, independente de se gostar ou não.

 

Se fosse New Orleans, haveria uma poesia multicultural tão latente de maldições e bendições, enquadrada de colonialismos de escravatura serôdia, de antepassados mulatos vistosos e bem-cheirantes de panamás brancos, traindo uma mulher em cada ilha do Caríbe, que seria impossível de lhe resistir, como a sua própria morte arrepiante e colorida parece ser.

 

Mas quando afinal é um boulevardzinho de Loures - uma capital portuguesa do Carnaval - para ver uma escolinha de Robin Hoods a passar ao som de Netinho não-qué-vê-ninguém-co-pé-no-chão a bombar, e bandos de Rembrants a desfilar com paletas e educadoras de infância sob a batuta de mamãe-eu-quero versão fafá, a sensação é um pouco diferente. Enquanto começamos a colar pedacinhos de neurónios, aparecem mais bandos de pequenas lavadeiras saloias e sevilhanas às pintinhas e castanholas, observadas por pais divorciados e divertidos, de óculos golianos e cabeleiras cantonesas cor-de-laranja, para não falar das dezenas de Elsas híbridas, Minions de metro e oitenta, Brancas de Neve cruzadas de Cinderelas, trânsito cortado por dezenas de polícias destacados e bombeiros tão alegres como dedicados. Então, ficamos com a ideia de que o Carnaval à portuguesa é uma das festas populares mais bizarras do planeta.

Fevereiro de 1940

Nos noventa e três anos do senhor António cabem muitas histórias. Uma delas evoca o dia em que completou catorze anos. Uma segunda-feira em meados de fevereiro, corria o ano de 1940. Nessa altura a segunda-feira era o dia de descanso semanal na vila e a prenda de aniversário do jovem António, na altura aprendiz na arte de pedreiro, foi uma longa jornada de trabalho nas fazendas do pai. Para sublinhar a dureza da situação, o senhor António costuma acrescentar uma nota metereológica: nesse dia fez muito calor.

No domingo passado, a propósito dos vinte e seis graus de máxima previstos pelo IPMA, a Carolina, de dezasseis anos, comentou que o tempo estava mudado, que antigamente não havia estas oscilações, que era tudo muito mais regular. Eu tentei explicar-lhe que não era bem assim e pedi-lhe que quando chegasse à igreja perguntasse ao senhor António o que tinha acontecido no dia de aniversário dos seus catorze anos. E assim foi. Não acho que tenha despontado uma nova "negacionista", não era essa a intenção, mas espero que a capacidade crítica da Carolina tenha sido estimulada. Como as coisas estão, vai precisar muito dela. 

Mustang na cave de Queluz

 

Aquele dia na praia da Adraga a olhar para as arribas recortadas no céu azul ou aquela noite passeando com amigos entre a escuridão clara das árvores de Montargil. Se a minha vida fosse um largo espaço de quarenta e seis anos de dimensão, existiriam ali pequenos pontos luminosos de momentos bem espaçados  que, de algum modo, foram escolhidos para terem um significado especial.

 

Existe um, que de vez em quando aparece, único e, como os restantes, singular na emoção que tem a capacidade de ativar. Desta vez surgiu depois do visionamento de um documentário acerca dos Foo Fighters, banda de que não sou fã, mas de que gosto por se ter mantido rock n'roll já depois de este, sufocado pelo hip hop, pop e vozes The Voice, ter morrido.

 

Faz calor na pequena sala e nós como que fomos tomados por uma fúria de vários mustang a correrem desarvorados numa imensa planície, guinando, potentes, de pescoço esticado e olhos de adrenalina, daqui para ali sem aviso. Em vez de galope, cada um de nós tem um instrumento musical nas mãos. A distorção das guitarras e as batidas enlouquecidas da bateria têm vindo a criar um vortex à nossa volta, uma espiral de ruído e incrível harmonia que nos arrasta há alguns minutos. Quantos? Não sei. Estou em êxtase e não consigo pensar, mas vivo a euforia de reconhecer que foi para isto que comecei a tocar guitarra elétrica. Ainda não sei que nunca voltarei a sentir o mesmo. Um momento assim não se irá repetir. Os outros sim, os outros continuarão e viverão coisas ainda melhores com a música.

 
Talvez seja por isto que me lembro deles com carinho, do Cavaco e do Ramos, do Miguel e do Ricardo, depois de passadas mais de duas décadas após esse ensaio na cave de Queluz: estão dentro desse ponto luminoso, capturados nessa cena em que no final fomos acometidos por uma fúria de destruição, exaltados pela jam que a todos nos surpreendeu. Eu guardei-os para mim. Esses putos de cabelo comprido são meus e estou-lhes agradecido por me terem permitido saber como seria se. 

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